O
termo accountabilily não encontra literal
na língua portuguesa, mas tem sido utilizado como sinônimo de “responsabilização”.
Esta tradução, para os estudiosos do tema, engloba vários níveis que se
complementam: para Anna Maria Campos, o termo deve corresponder a
responsabilidade objetiva; para Adam Przerworski, exige previsão e aplicação de
penalidades; para Andreas Schedler, prescinde de prestação de contas e de
punição; para Guillermo O´Donnell, deve ocorrer de forma vertical e horizontal.
Em suma, accountability compreende
responsabilização, prestação de contas, fiscalização e punição.[1]
Anna
Maria Campos[2] destaca,
ainda, que accountabilily tem ligação
estreita com a democracia, pois não há como se exigir prestação de contas, nem
responsabilização, em regimes ditatoriais. Nas palavras de Luiz Carlos Bresser
Pereira[3],
“sem dúvida um objetivo intermediário fundamental em qualquer regime
democrático é aumentar a ‘responsabilização’ (accountability) dos governantes”. E complementa que a
governabilidade na democracia depende de (i)
existência de instituições políticas que promovam a comunicação entre Estado e sociedade
civil; (ii) mecanismos de accountability de políticos e
burocratas; (iii) equilíbrio entre
demandas da sociedade e atendimento pelo governo; (iv) manutenção de um contrato social básico.
E
é a democracia que vem promovendo descentralização e maior transparência para
ações governamentais em nosso país. Vejamos os mecanismos adotados no Brasil
nas últimas décadas.
É
sabido que a Constituição Federal de 1988 deu grande amplitude à participação
social na gestão pública. Em seu artigo 37, caput,
instituiu os princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Mas não foi só. Esta
Carta Constitucional introduziu os conselhos
municipais, o orçamento participativo, o plebiscito, a ação popular e ainda
fortaleceu o Ministério Público e os Tribunais de Contas.
Tivemos
o Movimento “Diretas Já” de
1983-1984. Como advento da Lei 8.429/92, conhecida como “Lei de improbidade administrativa”, foram fixadas regras para
punição de agentes públicos por enriquecimento ilícito no exercício de mandato,
emprego ou função pública na administração direta, indireta ou fundacional. E
foi dada maior transparência para as contratações feitas pela administração
pública a partir da Lei 8.666/93, como “Lei
de licitações”.
Em
1995 entrou em vigor a Lei dos partidos políticos
n. 9.096/95, que estabeleceu novas regras e limitações para funcionamento das
siglas partidárias. O Plano Diretor de
Reforma do Aparelho do Estado, de 1995, substituiu a administração
burocrática pela gerencial, deslocando o controle de procedimentos para atingimento
de resultados, dando lugar, ainda, à mobilização da sociedade civil mediante
Organizações Não-Governamentais (ONGs) e fortalecimento de entidades
representativas. No âmbito eleitoral, entraram em vigor, também, a Lei das eleições n.9.504/97, que somou
novas regras às disputas eleitorais, seguida da Lei n.9.840/99, que ampliou enquadramentos de crimes eleitorais e penalidades.
Com
o advento da Lei Complementar 101/2000, conhecida como “Lei de responsabilidade fiscal”, tornou-se regra a transparência e
planejamento nas contas públicas e responsabilização na gestão fiscal. Em 2001
foi criada a Controladoria Geral da
União (CGU), com funções de prevenção, fiscalização, correição e ouvidoria,
que em 2016 foi integrada ao Ministério da Transparência, Fiscalização e
Controladoria-Geral da União. Também em 2001, o artigo 53 e parágrafos da
Constituição Federal foram alterados pela Emenda Constitucional n.35/2001, permitindo que deputados federais e
senadores passassem a ser processados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sem
necessidade de licença prévia da respectiva Casa.
A
TV Senado (1995), TV Câmara (1998) e TV Justiça (2002) deram grande amplitude e acesso popular à
tramitação da legislação e ao trabalho do poder judiciário. Estes canais,
associados ao impacto da atuação da imprensa e das redes sociais, parecem estar
contribuindo significativamente para o crescimento da participação do cidadão
na construção legal e jurídica nacional. O Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) foi instituído pela Emenda Constitucional 45/2004,
no intuito de permitir maior controle e transparência administrativa,
financeira e processual aos trabalhos do Poder Judiciário.
Em
2008 o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula Vinculante 13/2008,
passificando a interpretação jurisprudencial sobre o nepotismo. A obrigatoriedade dos Portais da Transparência, destinados para disponibilizar
instantaneamente, por meios eletrônicos de acesso público, informações sobre
execução orçamentária e financeira da União, Estados, Distrito Federal
Municípios, foi instituída pela Lei Complementar 131/2009. Em 2010 a Lei Complementar
135/2010, conhecida como “Lei da ficha limpa”,
ampliou enormemente o alcance da Lei Complementar 64/90, “Lei das
inelegibilidades”, ampliando o rol de candidatos impedidos de concorrer nas
eleições.
Em
2013 foi a vez do “Movimento passe-livre”.
Desde então observa-se uma onda incansáveis de protestos e movimentos nascidos
de mobilização por entidades de classe e redes sociais. Em março de 2014 teve
início da “Operação Lava Jato”,
originária da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR e desdobrada em dezenas de fases
sem data para terminar, cujo papel vem sendo trazer a público, punir e resgatar
montantes desviados decorrentes de corrupção empresarial e política. Sob sua
influência diversas outras “Operações” judicializadas, foram colocadas em
atividade, com os mesmos objetivos. Em 2015, o clamor social (e a deficiência
na governabilidade) eclodiram no impeachment,
pedido este instrumentalizado por três advogados na condição de cidadãos. Em 2016, o Projeto de Lei n.4.850/2016,
conhecido como “10 Medidas Contra a
Corrupção”, começou seu trâmite nas Casas Legislativas.
Ao longo dos últimos
anos, a legislação eleitoral reguladora da prestação de contas eleitoral e
partidária, vem se endurecendo, impondo regras mais firmes e penalidades
mais ásperas, como se vê pela das Resoluções editadas pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) conforme poder normativo previsto no artigo 23, IX, do Código
Eleitoral, a saber, Resolução TSE 21.841/2004, Resolução TSE 23.432/2014,
Resolução TSE 23.463/2015 e Resolução TSE 23.464/2015. Também se verifica
endurecimento da legislação eleitoral para campanhas, impondo limitações, intensificando
a fiscalização e aumentando as penalidades, resultado das Leis n.11.300/2006,
n.12.034/2009, Lei n.12.891/2013, Lei n.13.107/2015 e n.13.165/2015, que introduziram
alterações no Código Eleitoral, na Lei dos Partidos Políticos n.9.096/95 e na
Lei das Eleições n.9.504/97. Esta questão chegou ao ápice, em 2015, com a proibição
de doações empresariais a campanhas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na
Ação Direta de Inconstitucionalidade n.4.650.
Em
2016, tivemos, ainda, a Lei 13.303/2016, que proibiu a nomeação de mandatários, dirigentes partidários,
assessores de campanhas eleitorais, dirigentes sindicais, ministros,
secretários e afins, representantes de órgão regulador vinculado, de
particulares contratantes, bem como parentes consanguíneos até terceiro grau
destas pessoas, para o conselho de administração
ou diretoria de empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias
da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Estamos
assistindo, no momento, a discussão sobre extinção
do foro privilegiado (Proposta de Emenda Constitucional 13/2013), questão
que também será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sem falar no
vendaval de denúncias que assola o Governo e o Congresso Nacional.
Como
se vê, são muitas as ferramentas de accountabilily
instituídas no Brasil desde a Constituição Federal de 1988, sejam elas
legais, políticas, institucionais, judiciais, sociais. Esses inúmeros métodos vêm
permitindo maior fiscalização e responsabilização, mas não necessariamente,
maior governança ou governabilidade. As mudanças têm sido estabelecidas a
partir de enormes esforços e revoluções sociais, mas, ainda, com resultados
recalcitrantes, fruto de uma cultura oligárquica e patrimonialista. Nas palavras
de Raimundo Faoro[4]
“deitou-se remendo de pano novo em vestido velho, vinho novo em odres velhos,
sem que o vestido de rompesse, nem o odre rebentasse”.
[1] Apud PINHO, J.A.G.; SACRAMENTO, A.R.S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 43, n. 6, p.1343-1368, nov-dez. 2009
[2] CAMPOS, A.M. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português? Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, fev./abr. 1990.
[3] PEREIRA, L.C.B. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Lua Nova, v. 45, p. 49-96, 1998.
[4] FAORO, R. Os donos do poder. A formação do patronato brasileiro. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1979.
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