quinta-feira, 30 de julho de 2020

Eleições 2020 - O quadro é de incertezas, marca registrada das últimas campanhas eleitorais






Fernanda Caprio,  Advogada eleitoralista, mestra em políticas públicas pela UNESP/Franca-SP e membro da ABRADEP.

Araré Carvalho, Doutor em Ciências Sociais, articulista do Blog Legis-ativo e
Professor da FACERES/São José do Rio Preto/SP


O quadro é de incertezas, marca registrada das últimas campanhas eleitorais! E mais uma vez, às portas do período eleitoral, temos, novamente, um cenário de insegurança jurídica.

Em eleições anteriores, reformas eleitorais alteraram regras de propaganda eleitoral, reduziram o tamanho de placas e adesivos de propaganda eleitoral tanto em imóveis quanto em veículos, proibiram outdoor, retiraram os cavaletes das ruas, proibiram pintura em muros, limitaram o teto de gastos de campanha, proibiram doações empresariais, reduziram os valores permitidos de doações de pessoas físicas, retiraram a candidatos a vereador do programa em bloco na TV e no Rádio e os relegaram a 40% das pílulas de 30 a 60 segundos, criaram nota de corte individual para contagem de votos de candidatos proporcionais (10% do quociente eleitoral), instituíram a pré-campanha mas limitaram as permissões para divulgação e debate, incluíram a possibilidade de arrecadação por Vaquinha Eleitoral mas impuseram um rol exaustivo de documentos para cadastrar empresas arrecadadoras e controles financeiros que por vezes inviabilizam o sentido democrático deste tipo de arrecadação, sem falar nas diversas modificações das já minuciosas regras de controle de arrecadação, aplicação e prestação de contas de recursos utilizados em campanhas.

É certo que estas mudanças foram paulatinas. Mas todas foram instituídas às pressas pelo legislador, regulamentadas nem sempre com clareza pelas Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral e reinterpretadas regionalmente pela jurisprudência eleitoral.
O conjunto da obra é um emaranhado de regras e interpretações que tornam a vida do candidato uma aventura de percalços jurídicos e contábeis, que por vezes só se resolvem com o apoio de profissionais.

E a instabilidade eleitoral não foi diferente em 2020. Às portas do período de convenções partidárias ainda não se sabia se o calendário eleitoral seria normalmente cumprido.
As lamentáveis condições sanitárias impostas pela pandemia COVID-19 adiaram até mesmo shows, eventos e competições esportivas mundiais. O crescente aumento de cidadãos contaminados e perdas humanas levou autoridades do poder legislativo, judiciário, governamental e da saúde pública a definirem pelo adiamento das eleições, não sem antes ouvirem do Supremo Tribunal Federal que, se não fosse pelas mãos do legislativo federal, as eleições seriam adiadas por proteção à saúde pública pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral, com aplicação analógica do artigo 187, do Código Eleitoral (que permite à justiça eleitoral fixar datas para eleições suplementares).

A decisão, após controvérsias, várias PECs (Propostas de Emenda à Constituição), reuniões e altos e baixos, veio pela Emenda Constitucional 107/2020, promulgada em 02/07/2020, 18 dias antes do início do período de convenções partidárias no calendário eleitoral regular.

Não é preciso descrever a insegurança e instabilidade que o atraso nesta decisão provocou. Partidos, candidatos, eleitores: todos tinham decisões a tomar para o preparo de atos pré-eleitorais sem saberem se as datas convenções seriam ou não mantidas e se os prazos seriam observados.

Por fim, eis a Emenda Constitucional 107/2020. Por seu texto, as eleições ocorrerão em 1º turno na data cívica de 15/11/2020 e em 2º turno em 29/11/2020. Porém, há uma ressalva: em Municípios ou Estados com quadro sanitário agravado pela pandemia COVID-19, a eleição poderá ser prorrogada por Decreto Legislativo do Congresso Nacional e definição pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não podendo ultrapassar o dia 27/12/2020. Ou seja, pode não ocorrer eleição em todos os municípios brasileiros no dia 15/11/2020, o que vai gerar um quadro sui generis de candidatos eleitos em algumas localidades e não eleitos em outras.

Enfim. Adiadas as eleições, o afastamento de comentaristas, jornalistas, apresentadores de programas de TV e Rádio ganhou prazo para afastamento até 11/08/2020. A desincompatibilização para cargos que se afastam 90 dias antes da eleição foi adiada para 15/08/2020. As convenções partidárias foram fixadas de 31/08/2020 a 16/09/2020. O registro de candidatura deverá ser feito até 26/09/2020 e a campanha eleitoral, propriamente dita, com permissão para divulgação de propaganda eleitoral, começa em 27/09/2020. A propaganda na TV e no Rádio tem início em 09/10/2020. A prestação de contas parcial deverá ser enviada por candidatos e partidos até 27/10/2020 e a final até 15/12/2020. A diplomação dos eleitos deve ocorrer até 18/12/2020 e, com toda essa correria, pretende-se concluir o processo eleitoral dar posse aos eleitos em 01/01/2021.

Porém, as prestações de contas eleitorais não precisarão estar julgadas para a diplomação dos eleitos, regra de ouro vigente nas eleições passadas e alterada neste cenário de pandemia para permitir a realização do processo eleitoral dentro do exercício de 2020. Com isso, pela previsão da Emenda Constitucional 107/2020, as prestações de contas deverão ser julgadas até 12/02/2021 e as representações eleitorais que discutem abuso de poder econômico na campanha poderão ser apresentadas contra os candidatos eleitos até 01/03/2021.

Vem aí, em 2021, um festival de cassações de prefeitos e vereadores eleitos e, se este cenário se confirmar, um desfile incontável de eleições suplementares municipais. Estas são as cenas do próximo capítulo.


Artigo publicado originalmente no Jornal Estadão, no Blog Legis-Ativo, edição de 09/07/2020.

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