sexta-feira, 28 de agosto de 2020

FIDELIDADE PARTIDÁRIA NO ÂMBITO DOS PARTIDOS POLÍTICOS

 



O tema fidelidade partidária é muito debatido e repleto de polêmicas e alterações legislativas e jurisprudenciais ao longo dos anos.

No entanto, a maior polêmica da fidelidade partidária começa no chão de fábrica dos partidos políticos e as alterações legislativas acabam sendo resultado da pressão dos congressistas eleitos por estes partidos, que terminam por promover mudanças na lei para proteger o interesse político do momento.

A polêmica da (in)fidelidade partidária, contudo, antes de ser um assunto tratado pela legislação, é tema regulado pelos próprios partidos em seus Estatutos.

A ótica partidária é pautada pela blindagem do partido frente à volatilidade de seus filiados eleitos, o que se faz com a adoção normas rígidas (e nem sempre legais) nos Estatutos Partidários, tanto para escolha de candidatos nas convenções eleitorais, quanto para punição da infidelidade partidária.

Normalmente, no período de filiações partidárias, os futuros candidatos se “apaixonam” pelos partidos, e esta relação vai se estremecendo ao longo do desdobramento do calendário eleitoral.

Estas divergências passam pela “queda de braços” entre alguns pré-candidatos e partidos na escolha daqueles que se lançarão candidatos, o que inclusive vem motivando o debate sobre candidaturas avulsas.

A tensão se agrava no período de propaganda eleitoral em decorrência da insatisfação dos candidatos com a quantidade e qualidade dos materiais de campanha distribuídos pelos partidos e também no montante dos recursos financeiros aplicados nas diversas candidaturas. Estas insatisfações se verificam não apenas em disputas federais e estaduais, mas também nos menores municípios, já que a dinâmica partido versus candidato se repete em todos os níveis partidários.

O ápice da divergência entre partidos e candidatos ocorre após a posse dos eleitos, quando os partidos objetivam deter controle sobre os mandatos e os eleitos passam a defender suas desvinculação e autonomia. É a partir daí é que surgem os principais embates.

Para exercer o controle de seus mandatários eleitos, os partidos mantêm em seus Estatutos regras rígidas de disciplina partidária, cuja inobservância e desobediência leva a processos internos de expulsão e aplicação de penalidades.

O que vemos no cenário atual dos Estatutos Partidários em vigor são regras de disciplina partidária cuja aplicação prática não encontra mais respaldo na legislação e evolução da jurisprudência eleitoral, com ênfase especial aos clamores da democracia intrapartidária.

Ocorre que ainda há Estatutos Partidários vigentes que copiam trechos inteiros da Lei Orgânica dos Partidos Políticos 5.682/1771 vigente no período da Ditadura, quando as fichas de filiação partidária ainda eram expedidas, homologadas e arquivadas pelos cartórios eleitorais e as convenções partidárias só podiam ser realizadas aos domingos. Apenas destacando, a Lei dos partidos vigente hoje é de 1995 (Lei 9.096/1995) e há Estatutos Partidários vigentes com trechos da Lei Orgânica dos Partidos Políticos de 1771.

A exemplo disso, temos em vigor nos Estatutos Partidários disposições como:

a)      Cobrança de taxas partidárias para inscrição de registro de candidatura;

b)      Comprovação de quitação de contribuições partidárias compulsórias para participação em convenção eleitoral;

c)      Recolhimento compulsório em favor da agremiação de percentual da remuneração de cargos eleitos ou nomeados em gabinetes e secretarias dos eleitos, em regra, 10% (dez por cento);

d)     Indicação pelas greis de percentual de filiados ou pessoas vinculadas a dirigentes partidários na composição da assessoria de gabinetes e secretarias dos candidatos eleitos, normalmente de 20% (vinte por cento) a 50% (cinquenta por cento) dos cargos disponíveis;

e)      Previsão de perda de mandato em caso de expulsão ou desfiliação do partido, inclusive para cargos majoritários, quando a lei e a jurisprudência já aboliram esta possibilidade;

f)       Exigência de indenização ao partido em caso de expulsão ou desfiliação calculada em salários mínimos ou em percentual da remuneração do cargo eletivo, indenizações estas, inclusive, cobradas em ações judicias perante a justiça comum;

 

Hoje é sabido que muitas destas previsões se chocam com princípios democráticos e afrontam a legislação em vigor, pois não priorizam a democracia interna partidária, permitem a ingerência exagerada de partidos em cargos públicos e apresentam caráter de centralização de poder político partidário.

Assim, a jurisprudência eleitoral vem refutando veementemente cobrança de taxas partidárias para lançamento de candidaturas e contribuições partidárias compulsórias; estas últimas, inclusive, devem ter caráter espontâneo e jamais podem ser fixadas com base em percentual sobre a remuneração de cargos públicos. Ademais, a jurisprudência eleitoral coíbe a prática partidária de reter percentual para indicação de cargos comissionados nos gabinetes e secretarias dos eleitos, modus operandi que mais se assemelha aos antigos “currais eleitorais”.

E por que os partidos políticos preferem manter estes dispositivos em seus Estatutos? A motivação está centrada exatamente nas disputas entre partidos e seus eleitos sobre a disciplina partidária.

Tais previsões permanecem nos Estatutos Partidários até os dias atuais pois, na apresentação de alterações estatutárias parciais, os partidos, via de regra, obtém do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) somente a análise igualmente parcial, razão pela qual os dispositivos em descompasso com o ordenamento jurídico vigente não eram revisitados por aquela Corte.

Contudo, desde 2018, ao receber alterações estatutárias parciais, a Procuradoria Geral Eleitoral (PGE) vem promovendo revisão geral dos Estatutos Partidários, glosando não apenas os artigos em fase de alteração, mas também os demais dispositivos que não se coadunam com a realidade jurídica atual.

No entretanto, esta análise não pretende apenas imputar aos partidos a tentativa de centralização de poder. Outras razões motivam os grêmios partidários a lutarem pela manutenção da força de seus Estatutos perante seus filiados, especialmente os ocupantes de cargos eletivos.

Ilustro com fato ocorrido no ano de 2015.  Até então, as justas causas para desfiliação partidária sem perda de mandato estavam regulamentadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na Resolução 22.610/2007. No texto, as justas causas vinham elencadas artigo 1º, parágrafo 1º, estabelecendo incorporação ou fusão do partido (inciso I), criação de novo partido (inciso II), mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário (inciso III) e grave discriminação pessoal (inciso IV).

A Lei 13.165/2015 fez incluir na Lei 9.096/1995 o artigo 22-A, dando força de lei às causas de desfiliação sem perda de mandato, sem contudo incluir em seu rol a criação de novo partido.

Simultaneamente, estavam em fase de aprovação perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) os pedidos de registros do NOVO, registrado em 15/09/2015, do REDE (Rede Sustentabilidade) – registrado em 22/09/2015 e do PMB (Partido da Mulher Brasileira), registrado em 29/09/2015.

Consubstanciado no entendimento de que a nova lei entrou em vigor posteriormente ao registro dos citados partidos (com exceção do PMB, que foi registrado no mesmo dia da publicação da lei, 29/09/2015) e que a justa causa estaria amparando os eleitos nos 30 (trinta) dias seguintes à criação de novo partido, o REDE ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.398/2015, de relatoria de eminente Ministro Luís Roberto Barroso, alcançando medida cautelar que assegurou aos novos partidos a migração de mandatários sem prejuízo dos mandatos.

Este fato gerou em 2015 a migração de mais de 20 (vinte) Deputados Federais dos partidos que os elegeram em 2014, com destino aos novos partidos, sendo que o PMB recebeu a maioria deles. Posteriormente, com o advento a Emenda Constitucional 91/2016, conhecida como “janela constitucional”, o PMB passou a contar com apenas um Deputado Federal, sendo que todos os demais parlamentares migraram para outras siglas partidárias, realizando um verdadeiro “trampolim”.

O prejuízo amargado pelos partidos de origem, por sua vez, foi que a migração dos Deputados Federais às novas siglas com amparo da medida cautelar da ADI 5.398/2015 permitiu aos parlamentares carregarem os votos obtidos em 2014 para as novas legendas, que passaram a fazer jus ao correspondente de Fundo Partidário e Direito de Antena. Com isso, os partidos de origem, que viabilizaram e aplicaram recursos naquelas candidaturas, perderam acesso aos valiosos recursos públicos respectivos. Como é sabido, os votos dados a Deputados Federais correspondem ao recebimento correspondente de Fundo Partidário e tempo de televisão e rádio para os partidos políticos que os elegem, mas conforme legislação vigente à época, tais votos eram carregados pelos parlamentares na migração partidária fundada em justa causa.

A polêmica foi solucionada em 2018, portanto, quase três anos depois, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que acatou pedido formulado pelos partidos prejudicados e determinou a restituição dos recursos correspondentes de Fundo Partidário e tempo de televisão e rádio às greis que originalmente elegeram os Deputados trânsfugas.

Para grandes partidos, a perda temporária de tais recursos pouco impactaram as eleições municipais de 2016. De outra sorte, para partidos pequenos, que perderam todos os seus Deputados Federais nesta migração, atravessar as eleições municipais de 2016 tendo perdido o repasse correspondente de seus recursos públicos (Fundo Partidário e Direito de Antena) fez toda diferença.

É sabido que as eleições municipais constituem o esteio, a forração para o desempenho partidário nas eleições gerais, já que é nas eleições locais é que são formadas as bases para o sucesso do partido no pleito seguinte. 

O fato aqui narrado comprometeu o desempenho dos partidos que perderam muitos Deputados Federais em 2015 (e portanto, acesso a recursos públicos) frente à Cláusula de Barreira das eleições de 2018. Prova disso é que, partidos que perderam mandatários e atravessaram as eleições municipais de 2016 com poucos recursos não apresentaram o desempenho mínimo exigido na Emenda Constitucional 97/2017 e seguem ansiando por um bom desempenho nas eleições municipais de 2020 (base para 2022) ou estudando a formalização de incorporação ou fusão com outro partido. 

Por esta razão os partidos políticos ainda resistem em retirar de seus Estatutos regras rígidas disciplina e fidelidade partidárias, que sabidamente estão em desuso e são até mesmo arcaicas. Fato é que, muitas vezes, o arrefecimento de tais disposições pode resultar no naufrágio de projetos políticos de longo prazo e até mesmo na extinção de greis partidárias que acabam optando pela fusão ou incorporação como forma de sobrevivência de seus grupos políticos. 


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