terça-feira, 1 de maio de 2018

CROWDFUNDING NA CAMPANHA ELEITORAL 2018

*Artigo publicado originalmente na Revista Estratégia Marketing Político - edição de novembro-dezembro/2017 ISSN 2318-3586



O crowdfunding (financiamento coletivo ou colaborativo) surgiu do ambiente empresarial, apresentando-se como um mecanismo de financiamento do “empreendedorismo criativo”. O “empreendedor criativo” é aquele que tem ideias inusitadas que divergem do modelo padrão, transformando-as em negócios inovadores e surpreendentes. São aquelas ideias que “mudam o mundo”. 

Numa equipe de negócios tradicional, é comum existirem membros com perfis otimistas e pessimistas. Os otimistas são os criativos, que olham o mundo e os projetos com encantamento e muitas vezes não avaliam a dimensão financeira de sua implementação. Os pessimistas normalmente são os membros que cuidam das finanças, olham o mundo pelos olhos da razão e não acreditam em “sorte de principiante”. Já o “empreendedor criativo” é sempre otimista, surge em qualquer lugar, há qualquer momento, nos ambientes mais inusitados e muitas vezes não está amparado por um mecanismo de financiamento regular. Para viabilizar projetos criativos, portanto, são necessárias formas de financiamento igualmente criativas. Deste contexto nasceram alguns tipos de investimento como o “capital semente”, o “investidor anjo”, o “investimento em participações” (private equity) e o “financiamento colaborativo” (crowdfunding).

O crowdfunding, em especial, é um sistema pelo qual se arrecada valores antecipadamente à execução do projeto. Os investidores são pessoas que acreditam nos benefícios que resultarão da materialização da ideia; apostam que a ideia é boa e que o resultado é importante. Cada investidor adquire uma cota até que a meta financeira e o prazo propostos pelo empreendedor sejam atingidos, recebendo uma recompensa, que pode ser o produto ou o serviço criados. E assim, somente após o alcance da meta, o “empreendedor criativo” coloca o projeto em execução. 

Com isso, o crowdfunding vem sendo utilizado para construir um novo conceito de capitalismo, talvez possa ser medido como uma humanização do próprio capitalismo, um mercado no qual o público escolhe o que quer ver produzido e investe para que a ideia se torne tangível e acessível. A abordagem dos sites que praticam o crowdfunding é mais voltada ao terreno dos sonhos, definida por frases como “o que você quer ver no mundo?”, “queremos tornar esta tecnologia acessível a todos”, “conheça histórias que nos enchem de orgulho”. 

Os exemplos de projetos de sucesso são inúmeros. Há projetos de criações científicas, apoio à cura de doenças, aquisição de bens para que determinado grupo ou família possa gerar a própria renda, fabricação de produtos que já saíram do mercado (mas são objeto de desejo de colecionadores, como consoles e jogos eletrônicos, por exemplo), projetos culturais como filmes, documentários, peças de teatro, projetos assistenciais como os televisivos comuns no Brasil que arrecadam recursos para apoio a crianças. Um projeto muito importante viabilizado pelo crowdfunding é a produção de modelos de impressoras 3D no intuito de popularizar a aquisição para uso doméstico e para produção de próteses.

Este tipo de financiamento colaborativo floresce num mundo pautado pela ausência de fronteiras (graças à internet e às redes sociais), criando circuitos de cooperação para produção de ideias que não seriam viabilizadas pelos mecanismos do mercado tradicional. É um novo modelo que dá ao ser humano poder para realizar projetos sem sustentação de cadeias empresariais ou industriais.

Essa inovação, já comum em campanhas eleitorais americanas, chegou à legislação brasileira pela Lei n.13.488/2017, que incluiu dispositivos na Lei das Eleições n.9.504/1997. Pela nova previsão, a partir de 15/05/2018, os pré-candidatos poderão iniciar arrecadação prévia de recursos para campanha eleitoral por meio de financiamento coletivo (crowdfunding), ou “vaquinha eleitoral”, devidamente operacionalizado por empresas privadas autorizadas pela Justiça Eleitoral e ancoradas em ambientes eletrônicos. Poderá ser feita campanha de arrecadação prévia, desde que tomados os devidos cuidados para que não se pratique propaganda eleitoral antecipada. Os valores arrecadados ficarão retidos e só serão disponibilizados para o candidato após o registro de candidatura, caso contrário serão devolvidos aos doadores. A administradora deverá dar ampla publicidade às taxas de administração e viabilizar o uso de cartões de débito e crédito. O candidato não responderá por fraudes ou erros cometidos exclusivamente pelo doador. Cada doador deverá ser minuciosamente identificado pela entidade arrecadadora (nome completo, CPF, valor, dados para devolução dos valores e para contato), que emitirá o recibo respectivo, manterá o pré-candidato e a Justiça Eleitoral informados, e ainda, disponibilizará na internet lista de doadores e valores atualizados a cada nova doação. Só poderão doar as pessoas físicas, dentro das condições e limites permitidos em lei e ficarão mantidas todas as proibições previstas no artigo 24, da Lei 9.504/1997 e na ADI 4650-STF (pessoas jurídicas, entidades ou governos estrangeiros; órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional mantida com recursos públicos; concessionários ou permissionários de serviço públicos; entidades de direito privado beneficiárias de contribuição compulsória legal; entidades de utilidade pública; entidades de classe ou sindical; pessoas jurídica sem fins lucrativos que recebam recursos do exterior; entidades beneficentes e religiosas; entidades esportivas; organizações não-governamentais que recebam recursos públicos; organizações da sociedade civil de interesse público). 

Esta modalidade de arrecadação, apesar de nova na legislação eleitoral, não é nova para a Justiça Eleitoral. Em 2014 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negou a possibilidade do financiamento coletivo nas eleições na Consulta n.20.887, apresentada pelo Deputado Jean Wyllys, que indagou "Considerando a jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral, bem como a legislação eleitoral vigente, a arrecadação de recursos através de websites de financiamento coletivo mostra-se lícita no que tange às campanhas eleitorais? Tendo em vista que o financiamento coletivo prevê a figura de um organizador, que é o responsável pelo repasse dos recursos arrecadados ao destinatário final, como seria operacionalizada a emissão de recibos eleitorais? É permitida a emissão de somente um único recibo em nome do organizador, ou são exigidos tantos recibos quantos os participantes do financiamento coletivo e em nome destes? Permite-se a divulgação do financiamento coletivo? Se sim, por quais meios de comunicação e de que forma?”. Em sessão do dia 22/05/2014, a Corte respondeu negativamente à primeira indagação, prejudicando as demais, apontando quatro razões: (i) ausência de previsão legal, pois a arrecadação somente era permitida em site de candidato, partido ou coligação; (ii) impossibilidade legal de intermediação das doações por terceiro (empresa arrecadadora) remunerado pelo serviço prestado, o que o TSE entendeu ser um desvirtuamento do conceito de doação eleitoral; (iii) impossibilidade de aplicação do sistema de recompensas aos investidores previsto no mecanismo de financiamento coletivo; (iv) dificuldade em manter a transparência das contas eleitorais ao se permitir que terceiro emitisse recibos aos doadores. 

O crowdfunding eleitoral foi novamente submetido à apreciação do TSE em 2016, mediante Consulta n. 27.696, apresentada pelos Deputados Alessandro Molon (Rede-RJ) e Daniel Coelho (PSDB-PE). A primeira questão trazia o seguinte: "1. Diante da expressa autorização do art. 23 da Lei n° 9.504/1997 (Lei das Eleições) para que pessoas físicas façam doações em dinheiro às campanhas eleitorais por meio de transferência eletrônica de depósitos, indaga-se, poderiam tais transferências eletrônicas se originar de aplicativos eletrônicos de serviços ou sítios na internet, desde que preenchidos os requisitos de identificação da pessoa física doadora?” As demais questões tratavam das formas de aplicação e de anotação contábil da “vaquinha virtual”. O TSE, contudo, em sessão de 1º/07/2016, não conheceu da Consulta sob a seguinte justificativa, da lavra da ilustre relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura: “Esta questão já foi respondida anteriormente em 2014, o relator ministro Henrique Neves, no sentido de que somente podem ser realizadas [doações] por meio de mecanismo disponível em sítio do candidato, partido ou coligação. As questões postas aqui nesta consulta, a nossa assessoria técnica também apontou, não são previstas na legislação de regência da matéria. Então, como a questão já foi aqui debatida, está na lei e não mudou com a legislação do ano passado, eu estou aqui votando no sentido do não conhecimento da consulta”. Na oportunidade, o Ministro Henrique Neves acompanhou a relatora, mas ponderou à época: “é realmente interessante porque agora, com a proibição das pessoas jurídicas, é necessário que se busquem novos meios para viabilizar que as pessoas físicas colaborem para as campanhas eleitorais”.

A inovação introduzida pela Lei n.13.488/2017, instituindo o crowdfunding eleitoral na campanha 2018, vem suprir o anseio de flexibilização das formas legais de arrecadação eleitoral, bem como viabilizar o crescimento das doações de pessoas físicas após a vedação das doações de pessoas jurídicas.

O crowdfunding eleitoral, somado ao incremento das estratégias de marketing digital, à redução da propaganda eleitoral de rua (modificações decorrentes principalmente da Lei n.13.165/2015), à redução e limitação dos tetos de gastos eleitorais (Lei n.13.165/2015 e Lei n.13.488/2017), ao uso intenso das redes sociais, à permissão para impulsionamento de campanha eleitoral na internet (Lei n.13.488/2017), à manutenção da proibição de doações por pessoas jurídicas, ao fundão eleitoral cuja distribuição aos candidatos está atrelada a critérios legais e partidários (Lei n.13.488/2017), permitirá que novos nomes, sem histórico político, tenham chance de obter arrecadação para suas campanhas de modo mais rápido e direto. 

A mudança de mercado semeada pelo crowdfunding está centrada no processo decisório que resulta na adesão a determinado projeto. O principal ator passa a ser o usuário e não a indústria. O usuário decide “o que quer ver no mundo” e oferece sua cota para que seja produzido num universo de motivações coletivas, reunidas em nichos específicos, conforme a área de interesse. 

Com o crowdfunding eleitoral, o eleitor ganha um novo papel no cenário das eleições. Assim como ocorre nos projetos culturais, científicos ou beneficentes, o crowdfunding eleitoral permitirá que o eleitor integre projetos políticos específicos, escolha determinado pré-candidato e aposte em sua campanha, de modo a obter como recompensa um mandato que venha a cumprir as propostas formuladas no momento da arrecadação de recursos. Este é um conceito novo que promove o compartilhamento de projetos políticos entre eleitores e candidatos, sem que estes últimos fiquem limitados pela decisão dos partidos quanto ao investimento em determinadas campanhas. Isso tudo, inclusive, se alinha a um contexto no qual se discute no Supremo Tribunal Federal (STF) a possibilidade de candidaturas avulsas (sem filiação partidária).

Como desafios, estaremos diante dos cuidados que os pré-candidatos deverão ter para não esbarrarem nas vedações da propaganda eleitoral antecipada durante a campanha de arrecadação. Além disso, teremos dificuldades na aplicação do crowdfunding nas contas eleitorais. 

Mas é possível que o espírito da democracia representativa seja estimulado pelo crowdfunding, já que grupos de eleitores alinhados poderão decidir investir coletivamente em campanhas que se aproximem mais de suas expectativas e ficarão mais motivados a monitorarem mandatos de candidatos nos quais depositaram seus “sonhos”.

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