quinta-feira, 21 de novembro de 2013

INFIDELIDADE PARTIDÁRIA

por Fernanda Caprio

Este assunto, é regido atualmente pela Resolução TSE 22.610/2007. 

Antes de definir esta questão, precisamos entender que para um cidadão concorrer a cargo eletivo (por exemplo, vereador, prefeito, deputado, senador, governador, presidente), a lei exige que esteja filiado a um partido político. Esta exigência pode ser verificada no artigo 18, da Lei 9.096/95. 

Os partidos políticos são grupos formados por pessoas que se agremiam em torno de uma filosofia sócio-política comum, registram formalmente seus estatutos perante o TSE- Tribunal Superior Eleitoral, e com base nas regras e permissões legais, se colocam na disputa do poder político municipal, estadual e federal. 

Nos exatos termos definidos pelo artigo 1º, da Lei 9.096/95, “O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.” 

O partido político, portanto, oferece sua legenda ao aspirante a cargo eletivo, que uma vez filiado, e após cumpridas diversas exigências legais, registra sua candidatura, concorre ao cargo pretendido, podendo ser eleito. 

Uma vez eleito, o político está vinculado ao partido que o elegeu, e a vaga pertence ao partido, e não ao candidato, pois sem filiação partidária não há mandato eletivo. Melhor dizendo, ninguém é candidato sozinho, somente através de um partido é possível alcançar um mandato. Desta forma, apesar de eleitores entenderem que votam no candidato, na verdade concedem representação política ao partido ao qual o candidato está filiado. 

Este é o raciocínio da nossa Constituição Federal e de toda a legislação eleitoral. Por esta razão, o mandatário de cargo eletivo (como dissemos, vereador, prefeito, deputado, senador, governador, presidente) não pode, depois de eleito, simplesmente abandonar o partido e se filiar a outro sob pena de praticar infidelidade partidária e ser punido com a perda de seu mandato. 

Grave? Sim, bastante grave. A conseqüência de se desfiliar do partido estando investido de um mandato é a perda deste mandato, devolvendo à vaga ao partido (ou coligação) para suplência. 

Atualmente, mesmo havendo muita divergência e disputas judiciais, quem define esta questão e regula o trâmite dos processos de cassação de mandato por infidelidade partidária é a Resolução TSE 22.610/2007. 

Pelas regras desta Resolução, após a desfiliação indevida, o partido tem 30 dias para requerer judicialmente a cassação do mandato por infidelidade partidária, ação esta que corre perante a justiça eleitoral. Não o fazendo dentro do prazo de 30 dias, abre-se mais 30 dias para que suplente e Ministério Público Eleitoral o façam. Veja que é tão sério o dever de fidelidade partidária, que mesmo que o partido interessado não requeira a vaga, o Ministério Público Eleitoral pode fazê-lo. E dificilmente deixa passar. 

A competência para esta ação é do Tribunal Superior Eleitoral cargos de nível federal, e do Tribunal Regional do respectivo Estado para os cargos de nível estadual e municipal. 

Iniciado o processo, abre-se oportunidade de defesa. Neste momento o candidato “infiel” tem a oportunidade de apresentar uma justa causa para sua desfiliação. Comprovar a existência de uma justa causa é o único modo de não perder o mandato. 

E o artigo 1º, da Resolução TSE 22.610/2007, traz em seu bojo quatro situações nas quais a desfiliação e nova filiação durante o mandato é admitida. 

a) Incorporação ou fusão do partido: Se o partido for incorporado por outro, ou de fundir a outro, naturalmente adotará filosofia, estatutos e diretrizes deste outro partido. Nesta situação, considera-se que o político não é obrigado a se manter na agremiação, pois neste caso, poderia estar violentando sua ideologia política pessoal para aderir a uma prática que não condiz coma sua. Então, se o partido for incorporado ou se fundir a outro, há justa causa para desfiliação e a atitude não é considerada infidelidade partidária. 

b) Criação de novo partido: Havendo criação de um novo partido, o político pode se desfiliar de sua legenda e adotar a nova. Está também é considerada justa causa para desfiliação, não havendo também perda do mandato. 

c) Mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário: Os partidos políticos possuem Estatuto e Programa Partidário, com suas regras, objetivos, propostas. Se a direção do partido fugir radicalmente dessas disposições em temas de grande relevância e com conseqüências evidentes para os filiados, é possível alegar justa causa para desfiliação. Mas veja, não se trata de opinião pessoal de um dirigente, ou ações de grupos internos do partido. Esta possibilidade de justa causa para desfiliação deve emergir de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, praticada pela direção do partido, de forma a trazer prejuízos ao partido e aos filiados. Esta alegação deve ser comprovada judicialmente, na defesa do político, e o juiz avaliará se configura ou não justa causa capaz de evitar a cassação do mandato. 

d) Grave discriminação pessoal: Trata-se de perseguição, humilhação pública, exposição indevida do político pelo partido. Não é a mera divergência de idéias, é preciso que fique comprovada a grave discriminação pessoal, por documentos ou testemunhas. Caso contrário, não haverá reconhecimento da justa causa e o mandato será cassado. 

Existe também a hipótese de o partido conceder formalmente documento de justa causa ao político, atestando situação que se enquadra nas exceções que discutimos, facilitando e agilizando o trâmite da ação de cassação de mandato por infidelidade partidária. 

Com relação à justa causa em razão da criação de novo partido, a discussão está aberta em razão dão Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo PPS em 2011 perante o STF, ADI 4583/DF, sob os cuidados da relatora Rosa Weber. A ADI ataca frontalmente a constitucionalidade o inciso II, do parágrafo 1º, do artigo 1º, da TSE Resolução 22.610/2007 (justa causa em razão da criação de novo partido). Neste mês de outubro/2013, o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, apresentou parecer favorável à ADI, sob o seguinte fundamento: 


“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 1o, § 1o, II, da Resolução 22.610/2007, do Tribunal Superior Eleitoral. Criação de partido político como justa causa para desfiliação partidária, sem perda do mandato. Competência do TSE para regular a matéria. Compreensão do Supremo Tribunal Federal. Conexão da fidelidade partidária com a representação política das minorias e com o aperfeiçoamento do regime democrático. Casos excepcionais de desfiliação devem estar atrelados a guinada ideológica da sigla ou a condutas de perseguição política de filiados. A autorização concedida pelo dispositivo impugnado ignora elemento essencial à fidelidade partidária e torna o processo de desfiliação excessivamente objetivo e aberto. Incompatibilidade com a decisão do STF nos mandados de segurança 26.602/DF, 26.603/DF e 26.604/DF, julgamentos que deram causa e fundamento à resolução. Parecer pela procedência do pedido” (http://s.conjur.com.br/dl/parecer-pgr-mudanca-partido-adi-4583.pdf


Ao longo do parecer, o procurador esclarece que a ADI se funda na inconstitucionalidade da justa causa de desfiliação por criação de novo partido, tendo em vista que tal conduta fere o artigo 14, parágrafo 3º, inciso V, da Constituição Federal, que dispõe sobre a necessidade de filiação partidária para que o candidato possa concorrer a cargo eletivo, bem como afronta o modelo do voto proporcional adotado no Brasil para eleição de deputados federais previsto no artigo 45, da Constituição Federal, que garante aos partidos representatividade, tempo de televisão e participação no fundo partidário. Nas palavras do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, no fundamentos de seu parecer: 


“Em outras palavras, o só fato da criação de nova legenda não constitui motivo para admitir situação de instabilidade política ampla e irrestrita, a servir de válvula de escape a toda e qualquer acomodação que os integrantes da comunidade parlamentar estejam propostos a empreender. (...) Conquanto muitas vezes a criação de agremiação partidária signifique legítimo movimento político para mobilização mais eficiente de esforços em um projeto político ou reação à desnaturação ideológica do partido original, não se pode ignorar que a criação de partido não raro significa apenas reflexo da conveniência eleitoral momentânea de um grupo de mandatários do povo e até serve como moeda de troca no mercado de interesses pouco nobres, a fim de propiciar arranjos de cargos na administração pública ou negociação visando à partilha dos recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (o Fundo Partidário) e do tempo de presença na propaganda partidária gratuita no rádio e na televisão. (...) Um novo partido não deve prestar-se como porto seguro para toda e qualquer desfiliação que se queira praticar. (...) Na verdade, a imposição da fidelidade partidária também nos casos de saída de partido para criação de outro fortalece, em vez de debilitar, o sistema partidário – e, por via de direta consequência, o regime democrático. Esse mecanismo evita as periódicas debandadas de parlamentares nos anos pré-eleitorais – como a que se testemunhou mais uma vez neste segundo semestre de 2013 –, à cata de condições mais convenientes, sob diversos pontos de vista, nem sempre legítimos, para o exercício da política em novos partidos, por vezes criados de ocasião. (...) Desse modo, revela-se inconstitucional a hipótese tratada no inciso II do art. 1o, § 1o, da Resolução 22.610/2007, do Tribunal Superior Eleitoral, por violação aos arts. 14, § 3o, V, e 45 da Constituição da República. (http://s.conjur.com.br/dl/parecer-pgr-mudanca-partido-adi-4583.pdf


A questão, portanto, não é pacífica, e em razão do registro dos novos partidos PROS e SOLIDARIEDADE, muitas ações de partidos indignados pedindo mandatos de ex-filiados deram entrada nos Tribunais Eleitorais de todo país. 

Resta saber como a jurisprudência conduzirá esta questão daqui para frente. 

_________________ 


Fernanda Caprio
Advogada Eleitoral; Pós-graduada em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral pela Claretiano (2012); MBA em GestãoEstratégica de Marketing pela FGV (2006); MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2004); Especialista em Direto das Obrigações pela FAPERP/UNESP (1998); Graduada em Direito pela FIRP (atual UNIRP) São José do Rio Preto/SP (1996); 


Nenhum comentário:

Postar um comentário